27 Fevereiro 2017

Koyasan – viajar até ao monte sagrado do Japão

Durante a preparação da minha viagem ao Japão procurava incluir no roteiro um local onde pudesse experienciar um pouco da espiritualidade nipónica e contactar com a natureza. Recebi várias sugestões, da qual se destacou desde logo o monte Koya. Embora me dissessem que para o tempo que tinha disponível seria desperdício, acabei por seguir o instinto e inclui-lo no meu roteiro de viagem pelo Japão.

O monte Koya, ou Koyasan, é o local mais sagrado para o budismo Shingon no Japão. Foi aqui que no inicio do século IX se instalou o monge Kobo Daishi, o qual, depois de uma viagem à China, trouxe a religião para o país. Acredita-se que o seu corpo se mantém em eterna meditação no templo onde termina o grande cemitério.

Chegar ao monte Koya

Chega-se ao topo do monte Koya quase exclusivamente de comboio. As sinuosas estradas de montanha são pouco convidativas para um povo já de si pouco habituado a se deslocar de carro.

Os comboios para lá partem da estação de Namba, na cidade de Osaka. De nada vale para aqui ter o JR Pass já que o comboio é operado por outra companhia. Cheguei aí vindo de Shinkansen no primeiro destes aviões sobre carris que parte de Tóquio às 6:00 da manhã. Depois, o metro levou-me à estação de Namba.

Embora o inglês seja pouco falado no Japão, nos postos de turismo há sempre alguém fluente. O posto de turismo da estação de Namba não é excepção e uma simpática senhora dá-me todas as instruções para chegar a Koyasan.

No piso acima vende-se um bilhete conjunto que permite não só ir e vir para o monte Koya, como usar sem limite os autocarros urbanos que circulam no monte. Isto tudo por 2860 Yen. Recebem-se ainda descontos para entrada nos monumentos e para lojas de recordações.

Este bilhete é válido para o comboio Express, o que implica geralmente uma rápida troca de comboio numa estação a meio do percurso. Não tem nada que enganar já que quase todos os passageiros vão para o mesmo destino. Basta segui-los ou perguntar.

Neste site consegue todas as informações para os vários comboios que vão até lá: http://www.nankaikoya.jp/en/pdf/

Comboio de Osaka para o Monte Koya

Comboio de Osaka para o Monte Koya

A primeira metade da viagem é feita em zona urbana, abandonando a cidade de Osaka. Depois inicia-se a subida ao monte. A linha sinuosa contorna estreitos vales e passa por pequenas aldeias perdidas na montanha. As últimas centenas de metros do declive são vencidas por um elevador a cabo, impróprio para cardíacos. Uma vez lá em cima os funcionários indicam qual o autocarro que deve apanhar para sair junto ao templo onde vai pernoitar. Sim, pernoitar em Koyasan é quase obrigatório.

Dormir num templo no monte Koya

Dormir no monte Koya é uma experiência que não deve perder. Não só porque a viagem para subir até lá é longa e torna-se complicado vir só por um dia, mas também pela peculiaridade da experiência.

Não sei se há hotéis em Koyasan. Talvez haja, mas quem vem aqui é pela experiência de pernoitar num templo budista. A associação Shukubo é a responsável pela organização do alojamento nos templos.

Eu optei por fazer a reserva pelo Booking, como costumo sempre fazer para os hotéis. Fiquei no Kongo Sanmaiin, um templo que é também parte do património inscrito na lista da UNESCO como património da humanidade.  Pela associação irá conseguir uma escolha mais variada, mas o contacto pode ser mais complicado, já que a comunicação em inglês nem sempre é fácil.

 Kongo Sanmaiin em Koyasan

O meu quarto no templo Kongo Sanmaiin em Koyasan

Por favor, não cometa o meu erro e jante no templo. Eu quando fiz a reserva optei por não pedir com jantar e quase acabava sem jantar nesse dia. Quase todos os restaurantes estão fechados, já que a maioria dos hóspedes janta no templo onde estão alojados. Além disso, a comida servida nos templos é o Shojin Ryori, um conjunto de pratos vegetarianos confeccionados de acordo com os ensinamentos budistas. Se o arrependimento matasse….

Entrada no templo Kongo Sanmaiin em Koyasan

Entrada no templo Kongo Sanmaiin em Koyasan

O grande templo de Kongobuji

Saí do autocarro mesmo no centro de Koyasan e aproveitei para almoçar num restaurante logo ali no cruzamento. Esta era a minha segunda refeição no Japão já que havia chegado no dia anterior a Tóquio e depois de uma curta noite num hotel cápsula, apanhei o primeiro Shinkansen da manhã para Osaka. O resto já expliquei em cima.

O restaurante, com uma oito mesas para quatro pessoas é pequeno para tanta clientela. Duas senhoras, já com alguma idade, que julgo serem irmãs, dão o seu melhor para cozinhar e servir todos os clientes com um sorriso no rosto.

A fila de espera é longa e no interior há alguns bancos para quem está à espera. Eu revelo-me um problema já que sozinho me candidato a ocupar uma mesa para quatro. Elas quase não falam inglês, mas ainda assim tento dizer-lhes que não me importo de partilhar a mesa. Pouco depois acabo por ter por companhia um senhor alemão, já na casa dos 70, muito falador e visitante assíduo do monte Koya.

De barriga cheia, subo ao templo onde me espero hospedar para tratar do check-in mas, uma vez que não lá está o monge que trata da recepção, acabo por descer e visitar o primeiro templo: Kongobuji.

Kongobuji em Koyasan

Templo de Kongobuji em Koyasan

Começo aqui a descobrir o ritual de tirar os sapatos à entrada dos templos e também a impossibilidade de fazer o meu pé tamanho 44 entrar nos chinelos que são disponibilizados. Sigo em meias.

Depois da madeira trabalhada do exterior são as belas pinturas das portas de correr interiores que me fascinam. Sucedem-se as salas decoradas com motivos da natureza, como se de um prolongamento do exterior se tratasse.

Bela sala no interior do templo Kongobuji em Koyasan

Bela sala no interior do templo Kongobuji em Koyasan

Os corredores conduzem o visitante por entre as várias salas até ao grande jardim Banryutei, o maior do mundo neste estilo. As pedras terão sido organizadas de forma a parecerem dragões emergindo de um mar de nuvens para proteger o templo. Eu sinceramente não consigo visualizar tal imagem, mas não deixo por isso de me render à beleza do cenário.

Jardim Banryutei no templo de Kongobuji no Japão

Jardim Banryutei no templo de Kongobuji no Japão

Mausoléu de Tokugawa

A vantagem de viajar com uma mala pequena é que posso andar a fazer estas visitas mesmo antes de a ir deixar ao hotel. Neste caso, ao templo. Aproveito para ir visitar ainda mais um dos monumentos do monte Koya: o Mausoléu de Tokugawa. Tratam-se de dois edifícios funerários em madeira trabalhada e ricamente decorada com metais preciosos. Imperdível.

Após isto, consegui finalmente fazer o check-in. Embora com um inglês algo complicado, o monge anfitrião recebe os hóspedes com um grande sorriso e um convite para participarem na oração da manhã.

O grande cemitério de Okunoin

Como o dia começava a aproximar-se do fim e os templo fecham pelas 16h30, decidi caminhar até ao extremo oriental de Koyasan e mergulhar no grande cemitério de Okunoin. Ao longo de dois quilómetros caminho por entre milhares de campas de japoneses que fizeram questão de ter como última morada o solo mais sagrado do país.

Com o cair da noite vai aumentando o misticismo do lugar. As lápides de pedra escura coberta de musgo fazem já parte da paisagem onde crescem gigantes cedros. Os pequenos Jizo com os babetes, zelam pelas crianças e pelos viajantes.

A esta hora são já poucos os que percorrem este caminho. Os mortos, ao contrário de alguns vivos, nunca me meteram medo e este local transmite uma paz imensa. Caminho assim por entre campas e lamparinas até ao mausoleu de Kobo Daishi.

Centenas de lanternas iluminam a noite no interior do mausuléu. Lá dentro os monges zelam dia e noite pelo venerado monge. Acreditam que Kobo Daishi se encontra não morto, mas em eterna meditação. Nos altares são-lhe oferendadas refeições. O silencio impera. Não saio crente, mas fascinado com tudo o que vi, tentando demonstrar o máximo de respeito perante os que ali estão por motivação religiosa.

Faço o caminho de regresso já é noite cerrada. Cruzo com uma ou duas pessoas vivas. Já os mortos, continuam no seu descanso até eu sair do cemitério. Foi após isto que dei pelo meu erro de nao ter pedido para jantar no templo. Felizmente, depois de duas voltas à localidade, lá descobrir um pequeno restaurante aberto, só para mim. A simpática senhora serviu-me com toda a calma e dedicação. Acabámos a noite a ver alguns álbuns de fotografias do monte Koya.

Os templos de Danjo Garan

O segundo meio dia em Koyasan começou bem cedo. Às 6 da manhã estava à entrada do templo onde fui encaminhado para o local onde decorria a oração matinal. Para quem, como eu, está a pela primeira vez e participar duma cerimónia budista, tudo é mágico: os cânticos, os instrumentos, os cheiros. Não percebo nada, mas isso não faz falta.

Acabo por conseguir encontrar algumas semelhanças com uma missa cristã, que tão bem conheço. Aos cânticos segue-se uma homilia em que o monge discursa apenas em japonês. Noutro momento, quase todos os presentes se levantam num ofertório em que fazem as suas preces, oferecem incenso, e também dinheiro. Por fim, todo damos uma volta pela sala, terminando num anexo, onde os raios de sol quase não entram e, pelo meio do fumo iluminam uma assustadora estátua duma divindade.

No centro da vila são ainda poucos os turistas. Há sim muito fotógrafos que aproveitam os raios de sol da manha para captar as cores de Outono com que as árvores estão pintadas.

O caminho conduz-me ao grande pagode vermelho de Konpon Daito. Como muitos no Japão, também este é uma das várias reconstruções na sequência da destruição pelo fogo, aqui provocada pela trovoada.

Este é um dos locais que se paga para entrar. São só 200 Yen, mas não há ninguém para os cobrar. Não me vou queixar da minha educação, que acho que foi bastante boa. A verdade é que a minha cultura me ensinou que se não está ninguém para receber, não é preciso pagar. Este e outros dilemas semelhantes acompanhar-me-iam durante toda a viagem no Japão.

No campo em redor há mais alguns templos, uns mais recentes outros dos mais velhos do Japão. A maioria deles fechados. O que atrai mais atenção dos visitantes é um pinheiro que ocupa a zona central do pátio entre os templos. As suas agulhas têm duas pontas e não duas como a maioria o que lhe confere a fama de milagrosas. A pequena estatura dos japoneses não ajuda a que consigam alcançá-las. Saltar a pequena vedação é algo de impensável. Com o meu metro e oitenta e a ajuda dum folheto, lá consigo a minha agulha.

Saio pelo portão principal do recinto dos templos, sob o olhar assustador de quatro divindades que estão ali para isso mesmo: intimidar os infiéis. Subo ainda ao grande portão de Daimon. É aqui que terminam as rotas de peregrinação utilizadas pelos peregrinos que vêm a pé. São várias as placas a avisar para a presença de ursos e de vespas. Parece tentador, mas peregrinar pelo Japão terá de ficar para uma próxima.

Museu Reihokan

Antes de abandonar o monte passo ainda pelo Museu Reihokan, uma referência para a “arte sacra” japonesa

Mapa de Koyasan

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