Jerusalém: 3 dias na cidade Santa
Chegada a Jerusalém
Depois de várias horas de viagem desde o deserto de Wadi Rum até Jerusalém, chego por fim às portas da cidade Santa.
O autocarro deixa-me mesmo junto ao acesso ao Muro das Lamentações. Entro na zona de oração com a mochila às costas e troco o meu chapéu de palha por um dos quipá de papel que estão disponíveis à entrada. Embora localizada numa das zonas mais tensas do mundo, respira-se aqui um ambiente de absoluta paz.
À entrada sou abordado por um judeu, vestido de preto e com longos caracóis. Depois de uma curta conversa sobre a minha origem e religião, dá-me as boas vindas em castelhano. Fico ainda a saber que o meu “sombrero” é o quanto bastava para lá entrar. Não preciso de o trocar pela quipá.
Com tudo isto aproxima-se já o fim do dia e por isso atravesso toda a cidade velha até junto da porta de Jaffa. Mesmo sem reserva consigo ficar no hotel que era a minha prioridade: o Petra Hostel. Num edifício centenário, onde viveu Mark Twain dorme-se por uma pechincha. Escolho ficar num dos soberbos colchões do terraço com um vista divinal sobre a cidade.
15 de Agosto de 2008 – Primeiro dia em Jerusalém
O sol da manhã a bater no terraço do hostel não me deixa dormir até muito tarde. Acordo assim para iniciar a minha visita à cidade, no mesmo dia em que para muitos portugueses é o inicio (ou fim) de mais uma rotineira quinzena no Algarve. Começo por o que está mais perto: a porta de Jaffa, ali mesmo junto à cidadela.
O Santo Sepulcro
Àquela hora da manhã a cidade está a acordar. Quase todas as lojas que preenchem as ruas da cidade velha estão ainda fechadas e rapidamente chego à igreja do Santo Sepulcro. Construída sobre os locais onde segundo a tradição Jesus morreu, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia este é o local mais sagrado para os cristãos.
Lá dentro vive-se ainda um ambiente algo místico. Apenas se encontram algumas pessoas a fazer a limpeza e alguns madrugadores. Quando saio já me cruzo com os primeiros grupos de peregrinos que começam a encher a pequena praça em frente à igreja.
O Monte das Oliveiras
Em sentido contrário percorro as movimentadas ruas da Via Dolorosa até à porta dos Leões. Esta dá para o Monte das Oliveiras. Na base deste fica o jardim onde se podem contemplar oliveiras milenares, testemunhas silenciosas dos acontecimentos que ali tiveram lugar há dois mil anos.
Nesse mesmo jardim, uma igreja guarda no chão em frente ao altar a rocha onde Jesus terá chorado e rezado na noite antes de ser crucificado. Aqui, como os outros locais santos em Jerusalém, por muito crente que eu seja, custa-me sempre a acreditar que tenham sido exactamente aqueles os locais. Valem pelo símbolo e pela mensagem que transmitem.
A encosta do monte encontra-se quase completamente coberta pelo enorme cemitério Judeu. Foi construído neste local nas esperança de serem os primeiros a entrarem em Jerusalém no dia do julgamento final. Em contrapartida, os árabes taparam a porta do Ouro, que está virada para o monte, para os impedir de entrar! Apenas um exemplo da rivalidade que se encontra por toda a cidade. Por exemplo ao anoitecer notei que quando começou a chamada para a oração islâmica do lado judeu começaram a lançar foguetes.
Do topo do monte consigo a clássica fotografia da cidade velha de Jerusalém. Atrás de mim, a muralha e a explanada do templo. Ao fundo, as cúpulas douradas e cinzenta a elevam-se sobre o casario.
No topo do monte encontram-se algumas igrejas que celebram locais importantes da vida de Jesus. O local da ascensão e o local onde terá ensinado o Pai Nosso. Não visitei porque seria mais uma subida a pesar nas pernas e já lá tinha estado na minha outra visita.
O Monte das oliveiras está separado da cidade pelo vale do Cidrón, onde se encontram alguns túmulos de réis de Israel. No fim do vale chega-se às ruínas da cidade de David, os primeiros limites da cidade de Jerusalém. Pelo caminho passo por alguns jovens Israelitas em traje desportivo: calções, chuteiras e claro: a inseparável metralhadora.
O Túnel de Ezequias
A principal atracção da cidade de David é o Túnel de Ezequias. Uma maravilhosa obra de engenharia, construída há milhares de anos para transportar água para a cidade. São 500 metros de túnel com menos de um metro de largura. A altura varia entre 1,5m e os 5 ou 6 metros, com agua corrente que chega a ter 70cm de profundidade. Demora cerca de 40 minutos a percorrer e é expressamente proibido a claustrofóbicos.
Logo à entrada vejo algumas pessoas a voltarem atrás com cara de pânico depois de terem percorrido 10 ou 20 metros. Lá dentro não há qualquer tipo de iluminação. É obrigatório levar uma lanterna e sandálias. Eu estava convencido que com tanta gente nunca ia andar às escuras e não levei lanterna. Tinha deixado a minha no hotel, e não me apeteceu pagar mais 2 ou 3 euros por uma. A escuridão no entanto era tanta que acabei por percorrer grande parte do percurso na mais absoluta escuridão. O túnel termina nas mal cheirosas piscinas de Siloé, antigo reservatório de água.
Depois do túnel volto a subir à cidade, até ao Muro das lamentações. Sento-me e fico aqui algum tempo a observar a movimentação dos Judeus.Entro novamente nas ruas do bairro muçulmano até à porta de Damasco.
A Porta de Damasco
As ruas que rodeiam a porta de Damasco (chamada assim por dali partir a antiga estrada com destino a esta cidade) são as mais movimentadas da cidade. Num constante frenesim de vendedores de tudo e mais alguma coisa encontram-se os melhores e mais baratos snaks árabes da cidade. Nos dias seguintes havia de voltar ali várias vezes para me alimentar.
O Túmulo do Jardim
A poucas dezenas de metros da porta de Damasco fica um dos locais mais sossegados de toda a cidade: o Túmulo do Jardim. Este é o local onde os cristãos protestantes crêem ter ocorrido a morte e ressurreição de Cristo e não na basílica dentro da cidade. Como chego já tarde as portas estão a fechar e prometo voltar no outro dia a este paraíso dentro de Jerusalém.
Segundo dia em Jerusalém
O segundo dia em Jerusalém foi mais uma vez ocupado a passear pela cidade e visitar alguns dos locais mais importantes. A cidade tem tanta coisa para ver que uma semana inteira seria suficiente. Como tal acabo por me restringir a pouco mais que a cidade velha.
Começo este dia pelas ruínas do antigo Cardo romano, indo até à porta de Sion. Sai-o por ela para visitar as belíssimas basílicas da Dormição e a de S. Pedro Galicantu, que celebra o local onde Pedro terá negado Jesus na noite em que este foi entregue. Junto com estes importantes locais para os cristãos convivem os Judeus, sendo aqui que se encontra, numa pequena sinagoga, o Túmulo do Rei David.
Não encontro ninguém por lá. Ao contrário do que esperava, o local está completamente deserto e mantém muita autenticidade devido à fraca afluência de turistas. Mesmo ao lado fica a sala onde Jesus terá tomado a última ceia com os discípulos. Aqui encontro um grande grupo de jovens Italianos de visita a Terra Santa.
A cidadela
Já ao fim da manhã volto junto do hostel onde estou alojado para visitar a cidadela. Muito para além das ruínas, este local alberga um dos melhores museus que já visitei. Aqui é contada a história da cidade recorrendo aos mais modernos meios.
Logo ao inicio somos recebidos com um divertido filme que faz a introdução. Depois, por todas as salas da cidadela é contada a história da cidade com recurso a maquetas, manequins, filmes, objectos. Passo ali umas duas horas a visitar. A torre principal é o ponto mais alto da cidade velha e as vistas sobre a cidade valeria por si só a entrada.
Tento como no dia anterior entrar na esplanada do templo. Tinha percebido dos guardas israelitas que me vedaram, que a poderia visita-la ao Sábado. Com a barba por fazer há um mês e sem mochila, dirigi-me lá por um acesso não oficial. Ia passando por árabe, mas como olhei desconfiado para eles não me deixaram entrar novamente. Estava assim obrigado a ficar mais um dia em Jerusalém.
Via Dolorosa
Aproveitei por isso a tarde desse dia para percorrer a Via Dolorosa. Popularmente tida como parte do percurso por onde Jesus terá carregado a sua cruz, há a ladeá-la há uns quantos lugares sagrados.
Ao inicio encontra-se o museu do pavimento, um local subterrâneo onde é possível pisar as pedras que cobriam o chão no tempo romano, na zona onde Jesus terá sido açoitado e, a capela da coroação de espinhos que relembra este episódio bíblico.
Aí perto fiz uma rápida visita às ruínas da piscina de Bethseida. Este antigo reservatório de água para a cidade é referido na bíblia como local onde Jesus realizou milagres. Mesmo junto dele fica a igreja de Santa Ana, mãe da Virgem Maria e também local adorado como sendo o do nascimento desta.
Ainda no começo da rua, dentro duma igreja está o que resta do arco de Ecce Hommo, onde Pilatos terá lavado as mãos da condenação de Jesus. Ao logo de toda a rua estão marcadas as estações populares dos passos de Cristo até ao calvário. Muitas das igrejas estão aparentemente fechadas, mas basta tocar à campainha e de imediato a porta se abre.
Termino o dia não na igreja do Santo Sepulcro, mas voltando ao túmulo do Jardim para descansar um pouco pois o lugar é deveras acolhedor. De regresso ao hostel as bancas de comida de rua junto à porta da Damasco são paragem obrigatória para jantar.
17-08-2008 Último dia em Jerusalém
O Monte do Templo
Uma ida à missa e duas visitas ao monte do templo completam a minha visita a Jerusalém. De manhã bem cedo dirijo-me ao tão ansiado monte do templo. A entrada faz-se por uma passadeira de acesso que dá uma vista sem igual para a praça do muro das Lamentações. À entrada sou revistado e a minha pequena bolsa tem de passar pelo raio-x.
Uma vez lá dentro dou livre para andar por todo o lado. O local é calmamente patrulhado por militares israelitas. Para grande desgosto meu, ao contrário do que acontecia hà alguns anos, quando aqui estive pela primeira vez, não é mais possível entrar dentro das mesquitas. Recordo com nostalgia a beleza desta e agradeço aos meus pais por me terem trazidos aqui. A quem vem agora, resta imaginar a enorme beleza que um dos locais mais sagrados do mundo alberga.
Pouco antes das dez da manhã saio. Estou em Jerusalém e, sendo Domingo, queria participar duma missa. Vi no dia anterior os horários numa igreja que indicavam haver missa às dez e por isso parto para lá. Como é de esperar são incontáveis as igrejas em Jerusalém. E a variedade de credos também. Acabo por isso numa missa protestante celebrada em inglês.
A assembleia é constituída sobretudo por emigrantes. Reparo que o ritual envolve os participantes de uma forma mais activa que aquela a que estou habituado. A acentuar ainda mais o espírito de comunidade, no final todos somos convidados para um lanche convívio em que se apresentam as pessoas novas na comunidade. Eu, um pouco envergonhado, decido sair. Embora hoje me arrependa, ao final do dia acabaria por remediar a situação, como conto mais à frente.
Depois da missa regresso ao Monte do Templo. Já que estava em Jerusalém há 2 dias e só hoje me era permitido entrar, queria aproveitar ao máximo. Mas desta vez aconteceu algo insólito: um dos militares que verifica as malas e bolsas reconheceu-me de já la ter entrado antes e armou um escândalo: “Porque é que estás aqui outra vez? De onde és? Tens algum objecto de culto contigo? etc” Eu na maior das clamas pergunto-lhe se é proibido lá entrar duas vezes. Ele revista-me minuciosamente e chama o superior. Este pede-me o passaporte, repete as perguntas do outro. Eu repito as respostas e ele deseja-me uma boa visita.
Desta vez lá dentro aproveito para percorrer todos os recantos. O lugar está bastante calmo. Poucos turistas, alguns trabalhadores a arranjarem o chão, alguns muçulmanos com ar de quem passar por ali o dia. Junto à mesquita da Rocha ouço falar português. Encontro-me com os primeiros portugueses desde a Turquia, há 3 semana atrás. Dois casais de Leiria (meus vizinhos portanto) que andam a visitar a Terra Santa. Depois de dois dedos de conversa saio então definitivamente em direcção ao hostel para ir buscar a mochila.
Viagem para Belém
A paragem de onde partem os autocarros para Belém fica convenientemente junto à porta de Damasco onde almoço. O transporte é feito em pequenos autocarros operados por árabes e vai até ao checkpoint criado pelo muro Israelita.
Uma vez aí passo finalmente essa “fronteira” para entrar em território palestiniano. Passar o muro é entrar num mundo completamente diferente. À caça dos turistas estão dezenas de taxistas desejosos de me mostrar a cidade e arredores. Sempre com uma enorme simpatia ao contraria da arrogância que várias vezes encontrei na Jordânia e em Israel. Sigo com um deles para Beit Sahour, o local onde ficarei os próximos dias, na Bustan Qaraqaa, uma comunidade Eco Alternativa, orientada por três jovens ingleses.
Haveria de voltar a Jerusalém ao final dessa tarde com dois outros jovens que lá estavam a viver. A ideia deles era ir a missa, mas como chegámos no fim já só fomos a tempo de mais um lanche convívio e, de passar uma ultima vez pela zona árabe para jantar.
Jerusalém ficou assim e para sempre marcada no meu coração. Depois destes dias nunca mais tive dúvidas escolher a minha cidade favorita: Jerusalém, Al-Quds, a Cidade Santa. A minha alma anseia pelo dia em que aqui voltarei.
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Um comentário
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ver este site me faz matar as saudades da minha amada Jerusalem