25 Junho 2015

Axum, Etiópia

À descoberta de Axum, viajar na Etiópia

Axum é com certeza o local onde mais se concentra a história da Etiópia, história essa que por vezes é uma misto de factos e de lendas.

Estive aqui em Junho de 2015 durante um dia e meio, que deu para conhecer os principais locais e explorar alguns que escapam a grande parte dos visitantes.

Axum é uma cidade calma, com as ruas principais adornadas com grandes árvores que oferecem uma óptima sombra nos dias de calor. Quando visitei haviam muitas obras de melhoramentos nas estradas, passeios e praças, o que leva a crer que vai ficar um local ainda mais agradável.

A cidade, antiga capital do império de Axum, foi classificada pela UNESCO como património da humanidade e tem como principais atracções o campo das estelas, onde enormes obeliscos de pedra trabalhada lembram o esplendor de outrora e a piscina da rainha de Sabá. No campo religioso, o destaque vai para a igreja de Santa Maria de Sião e a Arca da Aliança.

Próximo de Axum encontram-se ainda os mosteiros onde se encontram as sepulturas de dois dos nove santos: Aba Pantaleão e Aba Liquanos.

Cerimónia fúnebre junto às estelas de Axum, Etiópia

Campo das estelas

No cimo deste lugar estão muitas pedras erguidas e outras sem terra e muito grandes e formosas e de formosos lavores lavradas, entre as quais está uma erguida sobre outra, lavrada como pedra de altar, senão que é em grande grandeza e é em ela metida como encostada. Esta pedra erguida é de 64 côvados de comprido e 6 de largo; em as ilhargas tem três, muito direita e muito bem lavrada, toda feita de crastas debaixo até uma cabeça que faz como lua meada e a parte que esta meia-lua tem para o meio dia. Aparecem em ela cinco cravos, que mais se não enxergam por terem ferrugem e assim estão como quinas em compasso. …

Esta pedra assim comprida na parte do meio-dia e para onde estão os pregos da meia-lua, altura de um homem, tem a feição de um portal na mesma pedra lavrado com ferrolho e fechadura como que está fechada com pedra em que está assentada; …

P.e Francisco Álvares, 1520, em “Verdadeira informação sobre a terra do Preste João das Índias” Capítulo XXXVIII;.

O autor nas pisadas do padre Francisco Álvares em Axum, Etiópia

Nada houve de mais fascinante nesta minha viagem pela Etiópia do que ter por guia o ilustre padre Francisco Álvares, português do século XVI, primeiro europeu a visitar e escrever sobre a Etiópia, com verdadeiro conhecimento e não baseado em lendas e tradições orais.

No excerto que transcrevi acima, Francisco Ávares descreve as estelas (obeliscos) existentes em Axum. Esta descrição é mais detalhada do que qualquer guia de viagens consegue fazer hoje.

À data da visita de Francisco, no ano de 1520, apenas uma das grandes estelas restava de pé. É aquela que hoje se encontra escorada por um moderno sistema de amarração. As outras duas estavam por terra, uma delas partida em três pedaços.

As três grandes estelas de Axum, uma das quais, por terra

Hoje em lugar de destaque, aquela que é agora conhecida como a estela de Roma, esteve até 1937 por terra, partida em 3 pedaços, sendo nesse ano embarcada para Roma pelas tropas italiana e aí reconstruída.

O estado etíope desdobrou-se em esforços diplomáticos para a ter de volta, algo que só foi conseguido em 2005 e, com a ajuda da UNESCO, o obelisco regressou a casa.

A estela de Roma, no lugar que sempre lhe pertenceu

Embora por terra, talvez a mais impressionante seja mesmo a grande estela caída. Trata-se daquele que foi provavelmente o maior bloco de pedra que a humanidade já tentou erguer, superando mesmo os vizinhos egípcios. Mas falhou. Não se sabe ao certo se o enorme obelisco terá cedido logo durante o processo de elevação, se terá caído depois.

A queda ter-se-á dado por volta do ano 300d.C e foi tomada como um sinal divino de que o reino de Axum se devia converter ao Cristianismo. A queda deu-se sobre uma não menos impressionante bloco de granito de 360 toneladas que servia de cobertura a um túmulo, tendo este abatido. Há-de ter sido um terramoto jeitoso!

No parque há ainda vários túmulos que se podem visitar, e muitas outras estelas, a maioria das quais sem qualquer inscrição ou gravação. Um interessante museu exibe alguns achados arqueológicos da região e conta a história do império de Axum.

A entrada no campo das estelas custa 50Birr e, como de costume em qualquer monumento etíope, há aí vários candidatos a guia. Aliás, por toda a cidade quem se aproxima de mim é para se auto-propor a guia, ou para oferecer aluguer de bicicleta ou mota.

Piscina da rainha de Sabá

Subindo um pouco acima das estelas fica a chamada piscina da rainha de Sabá. Longe do cenário hollywoodesco que se possa imaginar para a bela rainha que conquistou o coração do rei Salomão se banhar, trata-se simplesmente de um enorme reservatório onde uma enorme concavidade natural da rocha foi aproveitada para armazenar água para a cidade.

Para acabar com o cenário todo, há alguns anos parte dele foi impermeabilizado com cimento. Hoje é usado para tomar banho, lavar roupa, para os animais beberem água e não só. Como eu visitei no final da época seca, a pouca água que havia tinha um tom verde que pouco convidava a banhos.

A piscina da rainha de Sabá em Axum, Etiópia

Igreja de Santa Maria de Sião e a Arca da Aliança

Depois de uma manhã pelo campo das estelas e na piscina da rainha de Sabá, dirigi-me para o recinto onde se encontram os templos cristãos de Axum pelas 12h30. Como estes fecham para almoço das 12h30 às 14h00, acabei por aproveitar esse tempo para também almoçar e ir até à igreja de Aba Pantaleão, que descrevo mais abaixo.

Axum é o centro da cristandade para a Etiópia (está um bocado como Fátima para Portugal). Tudo começa com a lenda (com alguma base histórica e, em parte, descrita na bíblia) que conta que a rainha de Sabá, que seria etíope, na sua visita a Salomão, rei de Israel teve um filho deste. Esse filho, de nome Menelik, que terá nascido já na viagem de regresso à Etiópia, quis mais tarde conhecer o seu pai e viajou até Jerusalém. Daí terá trazido a Arca da Aliança para Axum, onde permanece até hoje.

Outros dados curiosos aqui para a história é que até por volta do século XVII não há relatos da presença da arca naquele lugar. Nem o Padre Francisco Álvares, que relata ter vivido 6 meses em Axum, nunca se refere à presença de tal artefacto. Isto leva a crer que tudo não passa de uma lenda, que no entanto continua bem viva na Etiópia. Aliás, todas as igrejas, à semelhança do sacrário nas igrejas católicas, têm uma réplica da Arca da Aliança.

Igreja da Arca da Aliança em Axum, Etiópia

O recinto é dominado pela colossal igreja nova de Santa Maria de Sião. Esta foi mandada construir nos anos 1950 por Haile Selassie. Em redor desta encontra-se muita gente sentada a aproveitar a sombra das árvores e, ninguém passa junto aos muros do recinto sem parar para fazer uma oração.

Por momentos pensei que a igreja estava fechada, mas depois um guarda convidou-me a entrar. Com a sua enorme cúpula o interior do templo parece um pouco vazio e as paredes como que inacabadas, já que só algumas estão ainda forradas com pinturas.

Nova igreja de Santa Maria de Sião, Axum

Sou depois orientado para uma cave, onde fica o museu. À entrada tenho de deixar tudo num cacifo, incluindo a máquina fotográfica, já que não é permitido fotografar no seu interior. O guarda passa-me ainda um detector de metais e pede-me o bilhete, que entretanto já deixei no cacifo. O pequeno museu, bem ao estilo africano, é de apenas uma sala com várias vitrinas que expõem riquíssimos artefactos, tanto religiosos, como coroas dos imperadores da Etiópia.

Quase por cima deste museu fica a tão sagrada Arca da Aliança. Actualmente estão a construir um edifício novo, logo ao lado deste, uma vez que o existente tem graves problemas de infiltrações. Deste local os turistas não podem nem tão pouco aproximar-se da vedação, já que anteriormente houveram alguns que tentaram saltar lá para dentro. No interior só pode mesmo entrar o guarda, que igualmente vive permanentemente ali.

Igreja de Santa Maria de Sião, Axum

A igreja antiga de Santa Maria de Sião actualmente existente foi mandada edificar pelo imperador Fasiladas em 1665, depois da destruição da anterior em 1535. Este será assim já a segunda reconstrução da igreja ali construída no século IV e que terá sido a primeira igreja de África.  A igreja tem o nome de Sião porque, segunda a lenda, a sua primeira pedra foi trazida do monte Sião.

Igreja de Aba Pantaleão

No cabeço que está contra levante no pico dele, está outra igreja, que se chama Abalicanos, o qual santo jaz aí e dizem e dizem que este era confessor da rainha de Sabá. (…)

Mais avante desta igreja, está um pico delgado pelo pé que parece que se vai ao céu; sobe-se a ele por 300 degraus. (…) Chama-se a esta igreja Aba Pantaleão e jaz aí o seu corpo. (…)

E assim como a igreja de Aquaxumo foi o principio da cristandade em Eitópia, assim esta é cercada de sepulturas de santos como em Braga, Portugal.

P.e Francisco Álvares, 1520, em “Verdadeira informação sobre a terra do Preste João das Índias” Capítulo XL;.

Este é daqueles locais que passará ao lado da maioria dos turistas que vão até Axum. A mim, foram as palavras do padre Francisco Álvares que me despertaram o interesse de ir até lá.

Há duas igrejas importantes aqui: a de Aba Liquanos e a de Aba Pantaleão. As duas ficam relativamente próximas uma da outra, mas como a subida era grande, optei por visitar apenas a segunda, que se encontra no topo de uma aguda colina.

Para lá chegar segui um trilho após a piscina da rainha de Sabá, seguindo apenas a intuição e a memória do que tinha pesquisado no Google Earth. Não há qualquer tipo de indicação, mas seguindo em frente rapidamente se avistam primeiro a  igreja de Aba Liquanos e depois, mais à frente, a de Aba Pantaleão.

A caminho da igreja de Aba Pantaleão em Axum

Este dista cerca de 3km da piscina, por uma estrada de pó nos primeiros quilómetros. O troço final é sempre a subir por caminho de pedra solta até à porta do mosteiro.

Quando cheguei aproximou-se logo um garoto que se prontificou a ir chamar o padre (e pai, imagino).

O padre da igreja de Aba Pantaleão nos últimos degraus da subida

Este, depois de cobrar o bilhete, guiou-me com a maior das calmas escadas acima. Do topo da colina pode-se avistar quase toda a cidade de Axum, o aeroporto e, quando a neblina permite, as enormes montanhas rochosas que se erguem no horizonte.

A pose para a fotografia no interior da igreja

O interior da pequena igreja está parcialmente forrado com pinturas, que parecem frescos, mas são na verdade pintadas em telas e depois coladas às paredes. Sou acompanhado pelo padre e 3 dos seus filhos, que ajudam a descobrir algumas que que encontram protegidas da luz por grandes lençóis.

O padre convida-me a fotografar o interior e, quando lhe peço para o fotografar a ele, não só permite, como colabora, fazendo pose. Descemos com calma, já que o tempo aqui passa devagar e a escadaria é íngreme.

Vista do vale de Axum desde a igreja de Aba Pantaleão

Uma vez junto às casas dele, aponta-me para uma janela fechada com portadas metálicas azuis e diz “Museum. Wait.” Assim faço enquanto ele entre para o edifício e fecha a porta. Minutos depois começa a mais fabulosa experiência museológica da minha vida.

A janela abre-se, ele estende uma toalha sobre o parapeito onde pousa alguns objectos e começa a sua apresentação.

A melhor experiência museológica da minha vida

A cada objecto que apresenta, nas poucas palavras de inglês que fala, segue-se uma pose e a ordem “Photo!” Eu que não sou muito de fotografar pessoas, acabo aqui a fazer algumas das melhores fotografias da minha vida.

Transportes

Cheguei a Axum após uma longa viagem a partir de Gondar. Nos dias anteriores tinha estado em Gorgora e, nessa manhã apanhei um autocarro onde cheguei pelas 11h30. Tinha a intenção de pernoitar em Gondar para no dia seguinte apanhar um autocarro para Axum, que vão via Shire, já que estes saem apenas de madrugada e a viagem demora quase todo o dia.

No entanto, quando me dirigia para o hotel fui abordado por dois rapazes. Normalmente estas abordagens são uma tentativa de serem contratados como guias para visitar os monumentos ou vender um tour para ir a algum lado. Quando disse que só queria ir para Axum no dia seguinte o rapaz disse-me que podia ir ainda hoje.

Primeiro não acreditei, porque já era quase meio dia e a viagem levaria umas 10h. Ele insistiu que tinha um amigo com um carro particular que me podia levar, por 600Birr. Embora o preço fosse um pouco alto, mandei-o ligar-lhe. Ao meio dia estava a caminho de Axum, numa carrinha de 9 lugares só para mim.

Burros na estrada na viagem de Gondar para Axum

O rapaz que me levou era motorista/guia e tinha vindo trazer turistas de Axum para Gondar. Como ia regressar vazio, aceitou levar-me. Dos 600Birr que paguei, foram 300Birr para cada um, pelo que eu podia ter negociado melhor o preço, mas como esta transporte me salvava um dia, nem a isso olhei. Chegámos a Axum pelas 19h00.

De Axum fui para Lalibela de avião. O aeroporto fica a uns 5km da cidade e para lá chegar fui de Bajaj (Tuk-Tuk).

Alojamento

Axum é a terra das melgas e os hotéis mais baratos não têm rede mosquiteira. Se não for preparado isso pode significar umas noites mal dormidas. A complementar o zumbido das melgas está a paciência que é preciso ter para entender e ser entendido pelo pessoal dos hoteis.

Eu na primeira noite fique no Hotel Africa, um dos mais baratos e populares entre os mochileiros. Uma noite aqui custa 200Birr, num quarto com casa de banho privada. O banho quente é que não é uma garantia. Quando cheguei fui informado que no dia seguinte estavam esgotados, pelo que no dia seguinte me mudei para o Ark Hotel, mesmo ao lado e pelo mesmo preço.

O meu quarto no África Hotel em Axum

Ambos os hotéis têm restaurante onde se podem tomar as refeições, embora não incluídas no preço.A recepcionista do Africa Hotel falava muito pouco inglês e foi o rapaz de uma agência de viagens que ali funciona que me ajudou na conversação. Consegui ainda (e facilmente) vender-me um tour de dois dias para as Igrejas talhadas na rocha em Tigray.

Ambos os hotéis tinham wi-fi, mas durante os dias que aqui estive não pude usufruir, já que havia uma falha geral de comunicações e a cidade estava isolada do exterior: não havia telefone, telemóvel, multibanco (ATM), internet, etc.

Na mesma rua dos hotéis há vários restaurantes e bares onde é possível tomar uma refeição, beber uma cerveja ou um batido de frutas.

Vista da varando do meu quarto no Ark Hotel em Axum

No último dia de manhã, no Ark Hotel, acabei por me passar com as empregadas. Primeiro tinham esquecido que eu tinha reservado um quarto e já só tinham um das traseiras e sem água quente. Depois ao pequeno almoço, estando eu já atrasado para apanhar ir para o aeroporto, pedi um pão com doce e trouxeram-me um pão com ovos estrelados. Costumo ser bastante tolerante a estas falhas, mas há dias e dias…

Mapa de Axum

2 Comentários

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