![Axum, Etiópia Axum, Etiópia](https://dobrarfronteiras.com/wp-content/uploads/2015/06/axum-768x1024.jpg)
Axum é com certeza o local onde mais se concentra a história da Etiópia, história essa que por vezes é uma misto de factos e de lendas.
Estive aqui em Junho de 2015 durante um dia e meio, que deu para conhecer os principais locais e explorar alguns que escapam a grande parte dos visitantes.
Axum é uma cidade calma, com as ruas principais adornadas com grandes árvores que oferecem uma óptima sombra nos dias de calor. Quando visitei haviam muitas obras de melhoramentos nas estradas, passeios e praças, o que leva a crer que vai ficar um local ainda mais agradável.
A cidade, antiga capital do império de Axum, foi classificada pela UNESCO como património da humanidade e tem como principais atracções o campo das estelas, onde enormes obeliscos de pedra trabalhada lembram o esplendor de outrora e a piscina da rainha de Sabá. No campo religioso, o destaque vai para a igreja de Santa Maria de Sião e a Arca da Aliança.
Próximo de Axum encontram-se ainda os mosteiros onde se encontram as sepulturas de dois dos nove santos: Aba Pantaleão e Aba Liquanos.
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Campo das estelas
No cimo deste lugar estão muitas pedras erguidas e outras sem terra e muito grandes e formosas e de formosos lavores lavradas, entre as quais está uma erguida sobre outra, lavrada como pedra de altar, senão que é em grande grandeza e é em ela metida como encostada. Esta pedra erguida é de 64 côvados de comprido e 6 de largo; em as ilhargas tem três, muito direita e muito bem lavrada, toda feita de crastas debaixo até uma cabeça que faz como lua meada e a parte que esta meia-lua tem para o meio dia. Aparecem em ela cinco cravos, que mais se não enxergam por terem ferrugem e assim estão como quinas em compasso. …
Esta pedra assim comprida na parte do meio-dia e para onde estão os pregos da meia-lua, altura de um homem, tem a feição de um portal na mesma pedra lavrado com ferrolho e fechadura como que está fechada com pedra em que está assentada; …
P.e Francisco Álvares, 1520, em “Verdadeira informação sobre a terra do Preste João das Índias” Capítulo XXXVIII;.
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Nada houve de mais fascinante nesta minha viagem pela Etiópia do que ter por guia o ilustre padre Francisco Álvares, português do século XVI, primeiro europeu a visitar e escrever sobre a Etiópia, com verdadeiro conhecimento e não baseado em lendas e tradições orais.
No excerto que transcrevi acima, Francisco Ávares descreve as estelas (obeliscos) existentes em Axum. Esta descrição é mais detalhada do que qualquer guia de viagens consegue fazer hoje.
À data da visita de Francisco, no ano de 1520, apenas uma das grandes estelas restava de pé. É aquela que hoje se encontra escorada por um moderno sistema de amarração. As outras duas estavam por terra, uma delas partida em três pedaços.
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Hoje em lugar de destaque, aquela que é agora conhecida como a estela de Roma, esteve até 1937 por terra, partida em 3 pedaços, sendo nesse ano embarcada para Roma pelas tropas italiana e aí reconstruída.
O estado etíope desdobrou-se em esforços diplomáticos para a ter de volta, algo que só foi conseguido em 2005 e, com a ajuda da UNESCO, o obelisco regressou a casa.
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Embora por terra, talvez a mais impressionante seja mesmo a grande estela caída. Trata-se daquele que foi provavelmente o maior bloco de pedra que a humanidade já tentou erguer, superando mesmo os vizinhos egípcios. Mas falhou. Não se sabe ao certo se o enorme obelisco terá cedido logo durante o processo de elevação, se terá caído depois.
A queda ter-se-á dado por volta do ano 300d.C e foi tomada como um sinal divino de que o reino de Axum se devia converter ao Cristianismo. A queda deu-se sobre uma não menos impressionante bloco de granito de 360 toneladas que servia de cobertura a um túmulo, tendo este abatido. Há-de ter sido um terramoto jeitoso!
No parque há ainda vários túmulos que se podem visitar, e muitas outras estelas, a maioria das quais sem qualquer inscrição ou gravação. Um interessante museu exibe alguns achados arqueológicos da região e conta a história do império de Axum.
A entrada no campo das estelas custa 50Birr e, como de costume em qualquer monumento etíope, há aí vários candidatos a guia. Aliás, por toda a cidade quem se aproxima de mim é para se auto-propor a guia, ou para oferecer aluguer de bicicleta ou mota.
Piscina da rainha de Sabá
Subindo um pouco acima das estelas fica a chamada piscina da rainha de Sabá. Longe do cenário hollywoodesco que se possa imaginar para a bela rainha que conquistou o coração do rei Salomão se banhar, trata-se simplesmente de um enorme reservatório onde uma enorme concavidade natural da rocha foi aproveitada para armazenar água para a cidade.
Para acabar com o cenário todo, há alguns anos parte dele foi impermeabilizado com cimento. Hoje é usado para tomar banho, lavar roupa, para os animais beberem água e não só. Como eu visitei no final da época seca, a pouca água que havia tinha um tom verde que pouco convidava a banhos.
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Igreja de Santa Maria de Sião e a Arca da Aliança
Depois de uma manhã pelo campo das estelas e na piscina da rainha de Sabá, dirigi-me para o recinto onde se encontram os templos cristãos de Axum pelas 12h30. Como estes fecham para almoço das 12h30 às 14h00, acabei por aproveitar esse tempo para também almoçar e ir até à igreja de Aba Pantaleão, que descrevo mais abaixo.
Axum é o centro da cristandade para a Etiópia (está um bocado como Fátima para Portugal). Tudo começa com a lenda (com alguma base histórica e, em parte, descrita na bíblia) que conta que a rainha de Sabá, que seria etíope, na sua visita a Salomão, rei de Israel teve um filho deste. Esse filho, de nome Menelik, que terá nascido já na viagem de regresso à Etiópia, quis mais tarde conhecer o seu pai e viajou até Jerusalém. Daí terá trazido a Arca da Aliança para Axum, onde permanece até hoje.
Outros dados curiosos aqui para a história é que até por volta do século XVII não há relatos da presença da arca naquele lugar. Nem o Padre Francisco Álvares, que relata ter vivido 6 meses em Axum, nunca se refere à presença de tal artefacto. Isto leva a crer que tudo não passa de uma lenda, que no entanto continua bem viva na Etiópia. Aliás, todas as igrejas, à semelhança do sacrário nas igrejas católicas, têm uma réplica da Arca da Aliança.
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O recinto é dominado pela colossal igreja nova de Santa Maria de Sião. Esta foi mandada construir nos anos 1950 por Haile Selassie. Em redor desta encontra-se muita gente sentada a aproveitar a sombra das árvores e, ninguém passa junto aos muros do recinto sem parar para fazer uma oração.
Por momentos pensei que a igreja estava fechada, mas depois um guarda convidou-me a entrar. Com a sua enorme cúpula o interior do templo parece um pouco vazio e as paredes como que inacabadas, já que só algumas estão ainda forradas com pinturas.
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Sou depois orientado para uma cave, onde fica o museu. À entrada tenho de deixar tudo num cacifo, incluindo a máquina fotográfica, já que não é permitido fotografar no seu interior. O guarda passa-me ainda um detector de metais e pede-me o bilhete, que entretanto já deixei no cacifo. O pequeno museu, bem ao estilo africano, é de apenas uma sala com várias vitrinas que expõem riquíssimos artefactos, tanto religiosos, como coroas dos imperadores da Etiópia.
Quase por cima deste museu fica a tão sagrada Arca da Aliança. Actualmente estão a construir um edifício novo, logo ao lado deste, uma vez que o existente tem graves problemas de infiltrações. Deste local os turistas não podem nem tão pouco aproximar-se da vedação, já que anteriormente houveram alguns que tentaram saltar lá para dentro. No interior só pode mesmo entrar o guarda, que igualmente vive permanentemente ali.
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A igreja antiga de Santa Maria de Sião actualmente existente foi mandada edificar pelo imperador Fasiladas em 1665, depois da destruição da anterior em 1535. Este será assim já a segunda reconstrução da igreja ali construída no século IV e que terá sido a primeira igreja de África. A igreja tem o nome de Sião porque, segunda a lenda, a sua primeira pedra foi trazida do monte Sião.
Igreja de Aba Pantaleão
No cabeço que está contra levante no pico dele, está outra igreja, que se chama Abalicanos, o qual santo jaz aí e dizem e dizem que este era confessor da rainha de Sabá. (…)
Mais avante desta igreja, está um pico delgado pelo pé que parece que se vai ao céu; sobe-se a ele por 300 degraus. (…) Chama-se a esta igreja Aba Pantaleão e jaz aí o seu corpo. (…)
E assim como a igreja de Aquaxumo foi o principio da cristandade em Eitópia, assim esta é cercada de sepulturas de santos como em Braga, Portugal.
P.e Francisco Álvares, 1520, em “Verdadeira informação sobre a terra do Preste João das Índias” Capítulo XL;.
Este é daqueles locais que passará ao lado da maioria dos turistas que vão até Axum. A mim, foram as palavras do padre Francisco Álvares que me despertaram o interesse de ir até lá.
Há duas igrejas importantes aqui: a de Aba Liquanos e a de Aba Pantaleão. As duas ficam relativamente próximas uma da outra, mas como a subida era grande, optei por visitar apenas a segunda, que se encontra no topo de uma aguda colina.
Para lá chegar segui um trilho após a piscina da rainha de Sabá, seguindo apenas a intuição e a memória do que tinha pesquisado no Google Earth. Não há qualquer tipo de indicação, mas seguindo em frente rapidamente se avistam primeiro a igreja de Aba Liquanos e depois, mais à frente, a de Aba Pantaleão.
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Este dista cerca de 3km da piscina, por uma estrada de pó nos primeiros quilómetros. O troço final é sempre a subir por caminho de pedra solta até à porta do mosteiro.
Quando cheguei aproximou-se logo um garoto que se prontificou a ir chamar o padre (e pai, imagino).
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Este, depois de cobrar o bilhete, guiou-me com a maior das calmas escadas acima. Do topo da colina pode-se avistar quase toda a cidade de Axum, o aeroporto e, quando a neblina permite, as enormes montanhas rochosas que se erguem no horizonte.
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O interior da pequena igreja está parcialmente forrado com pinturas, que parecem frescos, mas são na verdade pintadas em telas e depois coladas às paredes. Sou acompanhado pelo padre e 3 dos seus filhos, que ajudam a descobrir algumas que que encontram protegidas da luz por grandes lençóis.
O padre convida-me a fotografar o interior e, quando lhe peço para o fotografar a ele, não só permite, como colabora, fazendo pose. Descemos com calma, já que o tempo aqui passa devagar e a escadaria é íngreme.
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Uma vez junto às casas dele, aponta-me para uma janela fechada com portadas metálicas azuis e diz “Museum. Wait.” Assim faço enquanto ele entre para o edifício e fecha a porta. Minutos depois começa a mais fabulosa experiência museológica da minha vida.
A janela abre-se, ele estende uma toalha sobre o parapeito onde pousa alguns objectos e começa a sua apresentação.
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A cada objecto que apresenta, nas poucas palavras de inglês que fala, segue-se uma pose e a ordem “Photo!” Eu que não sou muito de fotografar pessoas, acabo aqui a fazer algumas das melhores fotografias da minha vida.
Transportes
Cheguei a Axum após uma longa viagem a partir de Gondar. Nos dias anteriores tinha estado em Gorgora e, nessa manhã apanhei um autocarro onde cheguei pelas 11h30. Tinha a intenção de pernoitar em Gondar para no dia seguinte apanhar um autocarro para Axum, que vão via Shire, já que estes saem apenas de madrugada e a viagem demora quase todo o dia.
No entanto, quando me dirigia para o hotel fui abordado por dois rapazes. Normalmente estas abordagens são uma tentativa de serem contratados como guias para visitar os monumentos ou vender um tour para ir a algum lado. Quando disse que só queria ir para Axum no dia seguinte o rapaz disse-me que podia ir ainda hoje.
Primeiro não acreditei, porque já era quase meio dia e a viagem levaria umas 10h. Ele insistiu que tinha um amigo com um carro particular que me podia levar, por 600Birr. Embora o preço fosse um pouco alto, mandei-o ligar-lhe. Ao meio dia estava a caminho de Axum, numa carrinha de 9 lugares só para mim.
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O rapaz que me levou era motorista/guia e tinha vindo trazer turistas de Axum para Gondar. Como ia regressar vazio, aceitou levar-me. Dos 600Birr que paguei, foram 300Birr para cada um, pelo que eu podia ter negociado melhor o preço, mas como esta transporte me salvava um dia, nem a isso olhei. Chegámos a Axum pelas 19h00.
De Axum fui para Lalibela de avião. O aeroporto fica a uns 5km da cidade e para lá chegar fui de Bajaj (Tuk-Tuk).
Alojamento
Axum é a terra das melgas e os hotéis mais baratos não têm rede mosquiteira. Se não for preparado isso pode significar umas noites mal dormidas. A complementar o zumbido das melgas está a paciência que é preciso ter para entender e ser entendido pelo pessoal dos hoteis.
Eu na primeira noite fique no Hotel Africa, um dos mais baratos e populares entre os mochileiros. Uma noite aqui custa 200Birr, num quarto com casa de banho privada. O banho quente é que não é uma garantia. Quando cheguei fui informado que no dia seguinte estavam esgotados, pelo que no dia seguinte me mudei para o Ark Hotel, mesmo ao lado e pelo mesmo preço.
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Ambos os hotéis têm restaurante onde se podem tomar as refeições, embora não incluídas no preço.A recepcionista do Africa Hotel falava muito pouco inglês e foi o rapaz de uma agência de viagens que ali funciona que me ajudou na conversação. Consegui ainda (e facilmente) vender-me um tour de dois dias para as Igrejas talhadas na rocha em Tigray.
Ambos os hotéis tinham wi-fi, mas durante os dias que aqui estive não pude usufruir, já que havia uma falha geral de comunicações e a cidade estava isolada do exterior: não havia telefone, telemóvel, multibanco (ATM), internet, etc.
Na mesma rua dos hotéis há vários restaurantes e bares onde é possível tomar uma refeição, beber uma cerveja ou um batido de frutas.
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No último dia de manhã, no Ark Hotel, acabei por me passar com as empregadas. Primeiro tinham esquecido que eu tinha reservado um quarto e já só tinham um das traseiras e sem água quente. Depois ao pequeno almoço, estando eu já atrasado para apanhar ir para o aeroporto, pedi um pão com doce e trouxeram-me um pão com ovos estrelados. Costumo ser bastante tolerante a estas falhas, mas há dias e dias…
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