Coreia do Norte – de Pyongyang à costa Este
Na primeira manhã fica logo claro que viajar na Coreia do Norte não são propriamente férias. O despertador toca às sete, para partirmos daí a uma hora. Da janela do átrio do 30º piso tudo parece calmo lá em baixo. E é-o na verdade.
No largo da estação um grupo de mulheres dança para incentivar aqueles que vão começar a jornada. Os eléctricos vermelhos balanceiam-se ao longo dos carris retorcidos em ruas onde o tráfego automóvel é reduzido. Facilmente o trânsito que aqui ocupa quatro faixas fluiria numa via de duas.
A arquitectura é monumental e futurista, especialmente uma nova rua com enormes prédios atribuídos a professores e cientistas, construída em 2015. Saímos da cidade sob o monumento da reunificação da Coreias e seguimos para Este.
De autocarro pela Coreia do Norte
Nos primeiros quilómetros a paisagem é em tudo semelhante à que nos acompanhou na viagem de comboio no dia anterior: campos de arroz e soja. Com o enrugar do relevo vai também surgindo o milho.
Tal como os sites de meteorologia internacionais já previam, começa a chover. A estrada é uma verdadeira tortura para o esqueleto: as lajes de cimento desniveladas provocam uma oscilação constante. Se fosse por cá, certamente que o motorista teria direito a um subsidio por desgaste profissional.
Ao fim de duas horas desta massagem temos uma pausa numa área de descanso. Quem aqui pára são os autocarros de turistas: alguns ocidentais mas sobretudo chineses e, os carros que transportam militares. Aliás, é assim que se compõem quase a totalidade do tráfego das estradas norte coreanas: alguns autocarros de turistas e, ligeiros transportando altas patentes militares. No enorme salão, capaz de acolher um casamento, somos quatro clientes. A funcionária de uniforme e corpo escultural serve um precioso café expresso, frio, por 22RMB.
A cascata de Ulim
Chove a potes quando chegamos à paragem para o almoço junto à cascata de Ulim. Após um almoço volante vestimos os impermeáveis e subimos até à cascata. Toda a paisagem é digna de um postal. O nevoeiro que surge por entre as escarpas rochosas parece convidar à aparição de um tigre.
Somos alertados para evitar fotografar um irresistível edifício futurista que fica mesmo junto da cascata. Facilmente imagino por detrás daquele vidro espelhado Timothy Dalton a contracenar com um qualquer vilão norte coreano num filme do 007.
A Cooperativa Agrícola de Tongbong
Eu que até sou de sono fácil, acho que sou o único que não prega olho a seguir ao almoço. Depois da cascata o relevo volta a suavizar-se e a floresta montanhosa dá lugar aos campos de milho e depois de soja e arroz.
Com o aproximar da paragem na cooperativa agrícola a nossa guia Ji Hyang dá uma explicação do sistema de agricultura do país com a divisão das terras aráveis em cooperativas, propriedade do estado, como tudo neste país. O papel dos líderes em tudo isto é, obviamente, enaltecido.
O autocarro pára na praça central dominada pelos painéis de propaganda. A cooperativa não é mais que uma aldeia grande, com 1200 trabalhadores responsáveis por vários hectares de terrenos. Ali ao lado entramos numa pequena loja que vende de tudo um pouco: brinquedos, ferramentas, roupas e bebidas.
Estava à espera de ver maquinaria, de entrar nas hortas, de ver as colheitas. Em vez disso somos conduzidos ao jardim de infância onde nas várias salas as crianças se alinham e cantam para nós acompanhadas ao piano pelas professoras. No seus rostos não há sorrisos mas sim um claro desconforto com a nossa presença.
Visitamos também uma das casas da aldeia. Manda a etiqueta que os sapatos fiquem à entrada. Lá dentro, no piso térreo fica a cozinha a um nível mais baixo. Prece ser uma arquitectura comum por aqui: o lume é feito a um nível mais baixo, espalhando o calor sob o pavimento das restantes divisões. Na sala como que num altar, coberto com naperons, estão dois televisores. Todo o cenário faz lembrar as casas dos nossos avós. Afinal, foi nessa época que este país parou no tempo.
Um miradouro para Hamhung
Pelas 17h30, sob um céu cinzento, chegamos à segunda maior cidade da Coreia do Norte: Hamhung. Subimos a uma colina na margem do rio onde no seu topo se encontra as duas enormes estátuas de bronze do presidente Kim Il-Sung e do seu filho e sucessor, Kim Jong-Il.
O jardim que as rodeia está de tal forma cuidado que faz lembrar os do Japão. O contraste com as fachadas toscas do outro lado da rua é evidente. Subimos ao som da musica ambiente com acordes patrióticos.
Depois duma breve explicação sobre a história da cidade e das estátuas, fazemos uma vénia e seguimos para um miradouro que fica um pouco mais acima. Dali conseguimos ver o rio e os principais edifício da cidade, como o museu, o enorme teatro (o maior do país) ou um restaurante mandado reconstruir pelo líder numa das suas visitas à cidade.
As histórias das visitas dos líderes aos locais são sempre os factos mais importantes realçados pelos guias. Nessas visitas eles decidem o urbanismo da cidade, a reconstrução de restaurantes, a abertura de estradas, o aumento da produção fabril. O domínio de todas as áreas do saber parece ser uma característica dos membros da família Kim.
Um resort no Pacífico
Para além da industria (que iríamos conhecer melhor no dia seguinte), a costa de Hamhung é também famosa no país pelas suas praias. A noite seria passada num resort à beira mar, composto por várias moradias com quatro quartos. Somos logo avisados que só haverá água corrente de manha, estando a banheira cheia para o que for necessário.
O jantar, para além das milhentas entradas, inclui uma sopa de algas com uns pequenos peixinhos. Há noite era suposto fazermos um churrasco de vieiras na praia, mas a chuva e uns pequenos insectos que dominam o areal empurram-nos para um abrigo onde comemos as vieiras acompanhadas de cerveja e soju, a bebida tradicional coreana.
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