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De Pequim a Pyongyang de comboio

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De Pequim a Pyongyang de comboio

O comboio talvez seja o meu meio de transporte favorito quando ando em viagem. Gosto deles de todas as formas: rápidos, lentos, confortáveis ou não. Gosto da agitação dos corredores, das paisagens a correr pela janela. Detesto o fumo do tabaco que na China invade as carruagens.

Desta vez, tanto como a viagem, importa o destino: nada mais que Pyongyang, a capital da Coreia do Norte. Vinte e quatro horas e uma fronteira separam-me dela.

Placa do comboio Sinujiu, Pyongyang, Coreia do Norte
Placa do comboio Sinujiu > Pyongyang

Comboio K27 para Pyongyang

A tarde começa com uma reunião no hotel Zhong Gu, mesmo ao lado da estação central de Pequim. Faço o pagamento e recebo o visto para a Coreia do Norte. Na sala estão os guias da agência e os restantes elementos do grupo com quem irei nos próximos dias explorar uma dos países mais fechados do Mundo.

Revemos as regrar que já todos sabem: não podemos sair do hotel sem os guias coreanos, não podemos fotografar militares, não podemos levar objectos religiosos, não podemos falar mal dos líderes.

Antes de seguirmos para a estação abastecemos-nos com alguns snacks, noddles instantâneos e bebidas para a viagem. Tempo também para aproveitar o Wi-Fi do hotel para ligar à família que está a acordar em Portugal. A placa anuncia o comboio “K27”, partida à 17:27. Hora de voltar a viajar de comboio na China.

Para além do nosso grupo de uma dezena de ocidentais, na carruagem 5 viajam sobretudo norte-coreanos que regressam ao seu país. Sim, os norte-coreanos podem viajar para o estrangeiro, normalmente em trabalho.

O comboio segue para Sul, dando a volta pela cidade de Tianjin (onde passamos já ao anoitecer), subindo depois junto à costa até Dandong, a cidade fronteiriça onde chegaremos pela manhã.

Depois de uns noodles instantâneos e de umas cervejas, às 22h00, com o apagar das luzes, todos vamos dormir.

Uma fronteira na penumbra

Pelas 7h30 da manhã, depois de um enorme túnel, desembocamos na estação de Dandong. No seu largo uma estátua gigante de Mao Zedong parece querer rivalizar em tamanho com as dos líderes do país vizinho. Temos apenas uma hora para tomar o pequeno almoço e/ou ir até ao rio que nos separa da Coreia do Norte.

Ponte da Amizade Sino-Coreana sobre o rio Yalo, Dandong, China
Ponte da Amizade Sino-Coreana sobre o rio Yalo, fronteira com a Coreia do Norte
Pontes sobre o rio Yalo, Dandong, China
A ponte da Amizade Sino-Coreana (à esquerda) e a ponte bombardeada (à direita)

O cenário pinta-se de tons negros que não agoiram nada de bom do outro lado do rio. Esta é sem dúvida a paisagem perfeita para desincentivar alguém de ir até ao horripilante mundo de Kim Jun Un, como diariamente a comunicação social nos vende.

Embora mais ninguém do grupo o faça decido subir à ponte bombardeada que vai até meio do rio. Segue-se depois uma corrida até à estação. Há algumas bancas de recordações que vendem sobertudo réplicas de armas. A entrada custa 15RMB.

A ponte, construída em 1911 pelos japoneses sobre o rio Yalu, foi bombardeada em 1950 pelos americanos durante a guerra da Coreia. Hoje a travessia faz-se pela Ponte da Amizade Sino-Coreana, que também já existia aquando dos bombardeamentos, mas que foi recuperada. Por ela passam a maioria das exportações norte-coreanas, já que o seu principal parceiro comercial é a China.

Cidade fronteiriça de Dandong, China
Mulheres a tirar fotografia na ponte sobre o rio Yalo na fronteira da China com a Coreia do Norte
A ponte sobre o rio Yalu
Carris retorcidos na ponde do rio Yalu em Dandong, China
Carris retorcidos na ponde do rio Yalu. A Coreia do Norte é logo ali.

Sobreviver à alfândega norte-coreana

Carimbado o passaporte à saída de China, despeço-me do Wi-Fi gratuito da estação. As malas passam pelo raio-x e embarcamos. A passagem para a outra margem é rápida. Vista daqui a Coreia não parece tão sombria como lá atrás.

Entram dois militares no comboio que dão depois ordem de saída. Alinhamos-nos 2 a 2 na plataforma. Um oficial regista o número de telemóveis, computadores e cartões de memória que cada um trás. Pura burocracia já que nem todos iram sair de comboio.

Estação de comboio de Sinujiu, Coreia do Norte
Estação de comboio de Sinujiu: porta de entrada na Coreia do Norte

Num edifício com cheiro a tinta fresca as nossas malas são passadas numa máquina de raio-x. O oficial, velho de mais para aquele posto, observa por debaixo do seu grande chapéu verde as imagens que vão passando no ecrã. As caras não são de todo sisudas como noutras fronteiras com menos fama. Nem uma mala é aberta.

Da sala de espera onde aguardamos que todos os passageiros cumpram os procedimentos, podemos ver a praça central da cidade de Sinuiju, onde nos encontramos, com as enormes estátuas de bronze dos líderes ao fundo.

Os guias norte-coreanos que nos vão acompanhar no comboio, recolhem os passaportes e os vistos para tratarem do registo. Não há lugar a carimbos no passaporte, apenas na folha do visto, que temos de devolver à saída.

Estátuas de Kim il Sung e Kim Jong Il na praça central de Sinuiju, Coreia do Norte
Primeiro encontro com os líderes na praça central de Sinuiju, Coreia do Norte

Recta final, sem pressas

Depois de uma primeira cerveja quente na plataforma, embarcamos para a recta final. O comboio é em tudo semelhante ao chinês, excepto na velocidade. A uns estonteantes 40km/h, às vezes mais, outras menos, a bela paisagem de campos de arroz com montanhas começa-se a revelar. Será assim até Pyongyang, onde chegaremos já de noite.

As carruagens paradas nas estações estão corroídas pelos anos. Os carros nas estradas são quase inexistentes. Na construção das casas faltou o nível e o fio de prumo. Há muitas bicicletas, vacas, painéis de propaganda e fotografias dos líderes.

Todo o chão arável está cultivado, seja com arroz, soja ou milho. As bermas das estradas assim como as da linha férrea estão cuidadosamente arranjadas. Todo o trabalho é manual, incluindo carregar camiões de areia no rio.

vista à janela de comboio na Coreia do Norte
Contemplando a paisagem que passa
Campos de arroz e soja com montanhas ao fundo
Campos de arroz e soja com montanhas ao fundo. Assim é a paisagem norte-coreana
Pessoas com bicicleta em passagem de nível junto a campos de arroz na Coreia do Norte
Poucos carros, muitas bicicletas e campos de arroz
Passageiro olhando à janela em comboio norte coreano
A vida a bordo do comboio
Ponte metálica ferroviária na Coreia do Norte
Uma ponte no caminho
Mulher de bicicleta pedalando junto  da linha férrea na Coreia do Norte
Pedalando ao longo da linha férrea na Coreia do Norte

Chegamos a Pyongyang às 9 da noite. Na estação organiza-se uma festa para receber uma equipa medalhada que regressava da China. No escuro da noite vamos de autocarro até ao hotel Koryo.

fotografia nocturna da estação de comboios de Pyongyang
Estação de comboios de Pyongyang

Um quarto sem vista

Com duas torres de 43 andares este é o segundo maior hotel da cidade, sem contar com o inacabado hotel Ryugyong. Do luxuoso loby apanho o elevador para o meu quarto no 30º piso. Vou expectante com a vista. Abrir a porta do quarto é uma viagem no tempo: alcatifa verde, tons beije e candeeiros com enormes abat-jours de pano levam-me até ao requinte dos anos 80.

Abro as cortinas e contemplo a fabulosa vista. Bem-vindo à Coreia do Norte.

janela do hotel Koryo em Pyongyang
Uma janela sem vista para Pyongyang no hotel Koryo (fotografia tirada de manhã)