
02-06-2014
Gosto de preparar viagens. Gosto tanto, que por vezes é de mais. Isto porque prefiro os imprevisto, a descoberta pura de novos locais dos quais sabia pouco ou nada.
Fujo nessa preparação a fontes de informação alarmistas, como são por regra todas as fontes oficiais e a grande midia, porque sei que é por causa delas que muitos não têm coragem de sair de casa, e eu não quero ser assim.
Aconteceu-me que por mais que o evitasse, tudo quanto li-a sobre a África do Sul apontava para Johannesburg como cidade a evitar, capital do crime, dos assaltos violentos, dos raptos, do carjacking e por aí fora.
Ainda assim, acabei por escolher essa cidade como ponto de chegada e partida para esta viagem por África. Era a solução mais lógica: primeiro porque o aeroporto de Johannesburg é o grande hub aéreo desta região de África e fica incomparavelmente mais barato voar para lá do que para as capitais dos países vizinhos, depois porque, apesar de tudo, queria espreitar um pouco deste país e da cidade onde viveu Mandela.

Era o meu primeiro voo intercontinental, mas ao contrário das 2 ou 3 horas de viagem num voo da Ryanair que duram uma eternidade, estas 10h a bordo de um A380 passaram a voar, literalmente. Acordei a sobrevoar o Zimbabwe, avistando pela janela a cidade de Bulawayo e logo ali as inconfundíveis colinas de Matobo onde planeava ir daí a algumas semanas.
Na aproximação ao aeroporto eram visíveis ao longe os arranha-céus do centro financeiro da cidade, a contrastar com o castanho das modestas habitações de rés do chão que se estendem por largos quilómetro em bairros de um urbanismo geométrico em redor de grandes zonas industriais e montanhas de inertes retirados das minhas.

Toda a gente parece simpática, desde o guarda que carimba os passaportes até ao empregado de limpeza da casa de banho que vai à minha frente limpar a sanita antes de a usar, só para se fazer à gorjeta.
Apanho o Gautrain, um comboio metropolitano criado por ocasião do mundial de futebol em 2010, que une os principais pontos de Joanesburgo e de Pretória. O bilhete custa 145Rand + 13Rand para o cartão magnético reutilizável.
Meia hora depois saio em Park Station, bem no centro da cidade, de onde partem os autocarros internacionais e de longa distância e onde daí por umas 5 horas apanharei o meu para Harare.
Comprei o meu bilhete online para ter a certeza que não ficaria em terra. No balcão da companhia, a Intercape, confirmam-me que está tudo em ordem.
Depois de alguns minutos a falar com um guarda da gare, que se mete comigo por eu não poder estar sentado ali num muro, decido, contra todos os conselhos aventurar-me pelas ruas de Jo’burg, de mochila às costas. Gosto de viajar leve, mas desta vez vi-me “obrigado” a trazer uma mochila de 4ol, mais uma pequena de 20l, por causa das prendas que e minha irmã me pediu para deixar às suas amigas em Moçambique.
Sinto-me desconfortável com toda esta carga, à qual se junta assim que saio as portas da gare, os peso dos edifícios sujos com dezenas de andares, o mau cheiro e o lixo, o peso dos olhares dos vendedores, dos mendigos, dos peões. Um ambiente todo ele “pesado”.


Ao contrário do aeroporto em que se sentia o espírito da “Rainbow Nation”, com pretos, brancos, amarelos, todas as cores, no centro de Jo’burg sente-se que o Aparteid ainda está vivo: os brancos e os negros de classes mais elevadas chegam nos seus carros, que deixam nos enormes parques de estacionamento cobertos e guardados à porta dos prédios de escritórios, longe do que se passa cá em baixo.
Arco-irís nas ruas do centro de Jo’burg, só o que está pintado nas fachadas de alguns edifícios, e eu, sinto que não faço parte dele.
Volto à segurança do terminal de Park Station, almoço, faço compras para a viagem e dirijo-me ao terminal de onde partirá o meu autocarro.
Uma hora antes já é grande a fila para pesar as malas: isto para quem leva mais do que a bagagem pessoal, já que a maioria dos passageiros viaja com enormes sacos de 50kg ou mais de contrabando e seguem daqui para destinos tão variados como Maputo, Harare, Lusaca, Blantyre ou até mesmo Dar Es Salam, na Tanzânia, a uns 3 dias de viagem.
Partimos à hora prevista, com um atrelado para as bagagens na traseira. Depois de uma paragem para jantar numa área de serviço, chegamos à fronteira pelas 11h30 da noite. Do lado sul africano o processo é rápido, tudo é organizado e limpo, mas quando passamos a ponte, a Beitbrigde, tudo muda. Cheguei a um novo país, uma África diferente: a África da burocracia interminável, do lixo pelos cantos, do alcatrão desfeito, do caos, dos vendedores ambulantes, dos impressos de entrada.
Preencho o meu e vou para a fila dos estrangeiros que precisam de visto. Só lá está uma rapariga inglesa, a ser atendida por uma simpática guarda de cabelo curto e auriculares nos ouvidos. Minto, pela primeira de muitas vezes nesta viagem: coloco no “Address in Zimbabwe” o nome de um hotel que nem sei se existe, e peço um visto de duas entrada com a desculpa de que vou ao Malawi e regressarei pelo mesmo caminho.

As malas são entretanto todas descarregadas, enquanto os seus proprietários preenchem um impresso da alfandega e esperam ali que os guarda decidam se vão ou não revistar tudo. Passa já da meia noite. Quase uma hora depois é dada ordem para voltar a carregar tudo e seguir: o autocarro sobre rodas e os passageiros a pé. Esperamos que venha alguém verificar os nossos vistos. Os passageiros reclamam e um comenta mesmo que este país só muda quando morrer o “velho” (Mugabe), crítica essa que lhe podia valer uma ida à cadeia.
No escuro da noite aproximar-se um grupo de cegos que canta uma música tradicional, num ambiente que só a noite africana pode proporcionar. Não sou de dar esmolas, mas deixo com eles todas a moedas de Rand que me sobraram. Sinto que esta música é para mim. Sinto que vou gostar deste país, do qual, só a midia e as informações oficiais dizem mal, muito mal, mas que os viajantes sabem que é dos países mais seguros e acolhedores de África. Bem-vindos ao Zimbabwe.
Olá Samuel
Você havia sumido, continue nos presenteando com os comentários das suas tournês. Você foi só a Johannesburgo ou esteve em outras cidades como Pretoria que é relativamente proxima? Estamos na expectativa de mais novidades.
Abraço
Lenira
Olá,
Na África do Sul estive apenas em Johannesburgo. Depois daí segui para o Zimbabwe e Moçambique. Breve espero ter tempo para escrever o resto da viagem. Abraço
Samuel
Parabéns pela viagem Samuel! Abraço
Vá dando notícias. Boa viagem, amigo.
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