16 Janeiro 2025

O Jardineiro do Paraíso

Paraíso é talvez a última palavra que alguém associa ao Iraque. Se a história recente tem sido um inferno, o vento que sopra dia e noite é também de um calor infernal. Mas há claro recantos que nos relembram as maravilhas da criação. Os pântanos onde passei o último dia são exemplo disso.

Acordo em Chibayish, nas margens do Eufrates. Às 8 da manhã o termómetro está já muito acima dos 30 graus. Depois do dia mais intenso desta viagem, com visita a Uruk, Ur e a terminar com um passeio de barco nos pântanos, hoje será bem mais tranquilo. Depois do pequeno almoço o Ali acompanha-me até à estrada e pára um carro que por 2k IQD me leva até à vizinha localidade de Al Medina. Acho curioso o nome: Al Medina, “a cidade” em árabe. Provavelmente um povoação importante noutros tempos, que hoje não parece passar de mais uma pequena vila/aldeia.

Rapidamente apanho novo táxi partilhado para o trajecto seguinte até Al Qurnah. É incrível a facilidade com que se viaja por este país. O facto de poucos serem proprietários de automóveis faz com que haja imensa oferta de transporte público, a maioria táxis partilhados. Por 1k IQD chego ao centro de Al Qurnah.

É dia de mercado. As ruas fervilham de actividade e decido ir a pé até ao local que me fez ir até aqui. Pelo caminho vejo a morte (ou pelo menos um grave acidente) passar-me ao lado, quando uma enorme cobertura metálica arrastada pelo vento cai a poucos metros de mim, derrubando algumas motos estacionadas mas, felizmente, não causando feridos.

Chatt Al-Arab

Finda a agitação do mercado caminho tentando aproveitar ao máximo todas as sombras possíveis, que me possam resguardar um pouco dos raios de Sol. Chegando por fim à marginal caminho junto à margem do Eufrates até ao local mágico em que este se encontra com o seu irmão gémeo: o Tigre.

Dois dos três principais rios do Crescente Fértil juntam aqui os seus caudais a poucos quilómetros de desaguarem no golfo pérsico. Daqui em diante segue o Chatt Al-Arab até ao vértice do berço da civilização.

Detenho-me a contemplar este local mágico onde segundo a tradição local se localizava o Jardim do Éden. Um casal de namorados aproxima-se: contemplam o rio e, quiçá, buscam o fruto proibido. Deixo-os e sigo agora pela margem do Tigre.

namorados iraquianos junto ao rio
À direita o Eufrates, à esquerda o Tigre. Em frente, o Chatt Al-Arab

O jardim do Éden

Um pouco para montante fica um pequeno jardim onde jaz uma árvore seca venerada como a “Árvore de Adão”. A Árvore da Sabedoria, do Bem e do Mal: ali está o que se acredita restar dela. Uma árvore que certamente não daria maçãs, como os renascentistas o ilustraram. Por certo que em vida também não terá visto o primeiro homem, nem tão pouco testemunhado a alvorada das civilizações, mas a fé tem destas coisas. Em seu redor, um belo jardim com as águas do Tigre como pano de fundo.

troncos secos da árvore do jardim do Éden
A árvore de Adão

Há alguns funcionários a cuidar do jardim. Metem conversa comigo e, como pouco falam de inglês, vão chamar o chefe. Este, engenheiro agrónomo, conta-me com enorme orgulho ser o responsável pelo jardim. Acompanha-me na visita pelo espaço e convida-me depois a entrar na casa do guarda para disfrutar do ar condicionado e beber uma água fresca. Ficamos um bocado à conversa.

jardim do éden junto ao rio Tigre no Iraque
O Tigre corre junto ao jardim do Éden

Convidam-me para almoçar, mas recuso. Falhei. Devia ter aceitado. Mas só depois de de lá sair compreendi a honra que tive: visitar o Jardim do Éden e privar com o seu jardineiro. E diga-se a verdade: manter um jardim aqui não é para qualquer um: o ar tórrido do deserto, qual espada flamejante, está sempre à espreita para secar o verde dos jardins.

Com uma boleia que ele me arranja, vou até à gare de onde partem os táxis. Por 5k IQD chego ao ponto mais a sul desta viagem pelo Iraque: Bassorá, a capital económica do Iraque.

táxis no Iraque
À espera de táxi para Bassorá

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