Coreia do Norte: Maçãs e frutos proibidos
Três dias passados desde a chegada à Coreia do Norte já começam a dar para entrar na rotina. Fazer e desfazer a mala todos os dias, visitar a Book Shop do hotel, praticar coreano no autocarro, provar mil e um pratos diferentes a cada refeição, terminar o dia a beber umas cervejas no bar do hotel. Tudo normal.
Temos depois outras “rotinas” não tão comuns. As explicações das guias centradas em enaltecer a sapiência dos líderes, os jogos de palavras para contornar perguntas incómodas ou, aqueles “porquês” que nem vale a pena questionar.
Uma caminhada em Wonsan
Hoje, para fugir à rotina, a hora de saída do hotel é às 9h00. Loucura das loucuras, vamos fazer uma caminhada pela cidade costeira de Wonsan. Do nosso hotel caminhamos pela marginal em direcção à praça central.


Logo ali a uma centena de metros estão as estátuas de bronze dos líderes, iguais às do grande monumento de colina Mansu em Pyongyang, mas um pouco mais pequenas. Em frente a elas vemos um grupo de coreanos que parece ter ido até lá prestar a sua homenagem. Curiosamente as guias ignoram-nas por completo e seguimos em frente. Nem vale a pena perguntar porquê…
Na praça central, grande demais para o número de pessoas que a frequenta, há alguns camiões a carregar e descarregar não se percebe muito bem o quê. O volume de tráfego é quase o mesmo que na minha rua sem saída. A profissão de polícia sinaleiro parece ser bem relaxada por aqui.
Ouvimos falar de um barco que está ali atracado no cais. Trata-se do Man Gyong Bong 92, um ferry para passageiros e carga que até 2006 fez a ligação marítima entre a Coreia do Norte e o Japão. O degradar das relações entre os dois países puseram fim a esta rota usada por expatriados norte-corenos a viver no Japão.
Na praça espera-nos também o autocarro para nos levar à visita da manhã: os pomares de maçãs de Kosan.






Pomares de Kosan
Nos primeiros quilómetros à saída de Wonsan nada de novo; a rotina repete-se. A estrada de lajes de cimento é ladeada de cartazes de propaganda. O trânsito automóvel é bem mais reduzido que o velocipédico.
Em poucos minutos tudo muda: o cimento dá lugar à terra batida que Sr. Tang, o motorista, enfrenta com a maior das calmas ao volante do nosso autocarro azul. Nos quilómetros que se seguem, por montes e vales, há trabalhos de conservação constantes. A empreitada é totalmente manual: os carros de mão transportam o seixo e o saibro com que largas dezenas de trabalhadores com que nos cruzamos tapam os buracos da picada.
Nos campos de arroz é também o trabalho manual que predomina. São raras as máquinas agrícolas.


Após alguns quilómetros de solavancos dá-se uma mudança radical. O cenário ancestral dá lugar a uma paisagem de agricultura moderna: os pneus do autocarro deixam a terra para se entregarem a uma suave estrada de cimento ainda nivelado que rasga os pomares de maçãs.
Geodésicamente alinhado, este enorme pomar é um forte motivo de orgulho para o povo coreano, especialmente na pessoa do seu líder, já que representa o que de melhor se faz em agricultura no país. Verdade ou não, segundo os nossos guias, seremos o segundo grupo de turistas ocidentais e visitá-lo.
À nossa espera na aldeia dos camponeses, está a guia local que nos acompanha até um miradouro. Do topo da colina pode-se ter uma ideia da extensão do pomar, que vai para lá do que a neblina permite aos nossos olhos alcançar.



Deste miradouro seguimos para um outro, a uma cota mais baixa. Aí perto é-nos dada a possibilidade de apanhar algumas meia dúzia de maçãs por 1€.










Voltamos a Wonsan. O almoço é servido no restaurante de um outro hotel mesmo ao lado daquele onde pernoitámos. À entrada somos presenteados com mais cenas de um casamento onde a noiva e uma das mães vestem os vestidos tradicionais coreanos.
Não parece haver aqui um dia mais ou menos indicado para casar, acto de vital importância na vida de um norte coreano. Para um norte coreano nem se coloca a possibilidade de ficar solteiro: até ao casamento os jovens vivem obrigatoriamente em casa dos pais. Só aquando do casamento o governo lhes atribui uma casa, já que a propriedade privada é inexistente.

Túmulo do rei Tongmyong
Depois do almoço regressamos à capital. A paisagem repete-se. Os solavancos também. A poucos quilómetros de Pyongyang paramos num local histórico: o túmulo do rei Tongmyong.
Este faz parte do Complexo de Túmulos Koguryo, inscrito na lista de património da Humanidade da UNESCO em 2004. Esta inscrição inclui dezenas de túmulos de antigos réis da Coreia espalhados em redor de Pyongyang.
À semelhança da casa natal de Ryi Song Gye, visitada no dia anterior, também aqui temos uma vista longe da propaganda. Num local cuidadosamente mantido e restaurado, fugimos à rotina dos dias na Coreia do Norte.









Junto ao túmulo, um grande recinto ladeado por telhados tradicionais e paredes brancas, esconde um ancestral templo budista. A receber-nos está claramente um actor a representar um monge budista. Conduz-nos à estátua de Buda guardada no interior do templo. Não há mais ninguém por aqui.
No autocarro alguém pede à guia para falar da religião na Coreia do Norte. À pergunta difícil vem uma resposta politicamente correcta. Em teoria há a liberdade religiosa ou não fosse esta uma republica democrática. A palavra usada para descrever a posição do regime quanto à religião é de que este “não incentiva” as pessoas à sua prática.
Fala-nos das igrejas cristãs que existem em Pyongyang (ao que parece apenas usadas por pessoal diplomático das embaixadas) e do Partido Chondoista Chongu, que segue a filosofia Chendoista, uma das que tem mais seguidores no país, seguida do Budismo e do Cristianismo.
Também nós somos por ela “desincentivados” de praticar qualquer acto religioso em público enquanto estivermos na Coreia do Norte. Devemos fazê-lo em privado. Já as indicações da agência antes da viagem eram bem mais restritas: não entrar no país com qualquer material religioso.
A única religião incentivada pelo regime é o Juche ou Kimilsungismo que tem como divindades Kim Il-Sung e Kim Jung-Il. Daqui a dois dias também nós teríamos a possibilidade de ir à “missa” em Kumsusan, o Palácio do Sol.




O churrasco
Chegamos a Pyongyang já de noite. Noite escura, mesmo no centro da cidade. As expressões nas caras do resto do grupo deixam perceber que todos sentimos algo de especial em estar aqui.
Estamos numa cidade e num país diferente de qualquer outro. Depois desta incursão por territórios menos conhecidos do país voltamos a uma capital com enorme vontade de se modernizar.
Para o jantar temos um tradicional churrasco de pato. A carne vem crua e somos nós que a colocamos no grelhador a gás no centro da mesa. Uma refeição deliciosa acompanhada pelo tradicional soju.
As guias e o motorista jantam, como de costume, os três numa mesa separada do grupo. É uma boa forma de evitarem perguntas indigestas à hora da refeição, mas também um merecido momento de pausa num trabalho de mais de 12 horas por dia.

Caminhada nocturna em Pyongyang
Voltamos a fazer check-in no hotel Koryo. Volto a subir ao 30º piso de onde posso apreciar a fabulosa vista da janela do meu quarto.
Loucura das loucuras, também aqui voltamos a ser convidados pelas nossas guias para uma caminhada pela cidade. Irrecusável!

A extraordinária caminhada resume-se aos 100 metros que nos separam da estação de comboios. Não deixa, claro, de ser um extra que temos de agradecer às guias e, uma oportunidade para fazer uma fotografias nocturnas ao belo edifício da estação.


Phone Home
Quando pergunto ao guia da agência onde posso fazer uma chamada para casa, ele indica-me o local mas avisa: vai por teu próprio risco.
À esquerda ao fundo lá está o balcão dos telefones, que anuncia também acesso à Internet. Ao que parece há possibilidade de enviar e receber e-mails a partir daqui.
Quando me dirijo ao balcão e peço para fazer uma chamada para a Europa sinto-me como o E.T.: “Phone Home.…”. Dois euros e meio por minuto. Sento-me em frente ao telefone. O naperon em que este assenta deixa perceber o quão especial é este objecto.
Em Portugal, num telefone chama um número iniciado por +850. A rede identifica a origem: Coreia do Norte. Foram quarto minutos para matar saudades. Quatro minutos numa chamada interplanetária, com uma excelente qualidade sonora.
Subo ao 40º piso para me juntar a alguns colegas do grupo para uma cerveja no restaurante panorâmico. Faz parte da rotina. O piso vai rodando, mas as janelas de vidro estão revestidas com uma película que não deixa observar metade do círculo. Nem vale a pena perguntar porque é que é proibido olhar para ali.

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