31 Outubro 2019

Introdução a Pyongyang

Depois de três dias a explorar o interior e leste do país voltámos à sua capital: Pyongyang. No ocidente raramente ouvimos este nome associado a algo de bom, mas a vontade de a conhecer melhor aumentou desde que cheguei à Coreia do Norte.

Pyongyang é uma cidade limpa, com uma arquitectura monumental e por vezes algo futurista. As ruas e praças são grandes e largas. Largas demais para as poucas pessoas e viaturas que nelas circulam. Num regime que pretende abolir as classes, é notório que aqui vive uma classe privilegiada. Os rostos são menos sisudos, as roupas mais elegantes, os transportes mais confortáveis que uma pesada bicicleta.

Mulher com bebé nas ruas de Pyongyang (foto do dia seguinte, sem chuva…)

Na rua chove torrêncialmente. A península da Coreia está hoje a ser fustigada por um tufão. Devido a isso alguns locais vão estar fechados e as viagens para fora da cidade estão proibidas, o que obriga a algumas alterações nos planos.

O metro de Pyongyang

A manhã deste primeiro dia em Pyongyang é dedicada ao metropolitano da cidade. Percorremos as duas linhas que compõem esta que é a rede mais profunda do mundo com paragens junto ao Arco do Trinunfo e do estádio Kim Il-Sung onde, dias depois, se disputaria o jogo histórico de apuramento para o mundial, entre as duas Coreias.

Sobre esta viagem por estações que são verdadeiros palácios subterrâneos pode ler mais aqui:

Metro de Pyongyang, o fascinante mundo subterrâneo da Coreia do Norte

estação de metropolitano de Pyongyang
Uma das estações do metro de Pyongyang por onde passei

Câmbios complicados

A viagem pelo metro ocupa-nos a manhã. Quase nem damos pelo temporal que vai lá fora. Depois de almoço temos a oportunidade de ir às comprar a um hipermercado local. No pequeno parque de estacionamento dominam os carros de matricula verde, a atribuída às viaturas do corpo diplomático residente na cidade.

Lá dentro a moeda usada é o Won, pela qual cambiamos os nossos Euros, Dolares ou Renmibis. Troco 50RMB por Won. Na zona dos produtos alimentares os preços estão indicados em Won e é assim que é pago. Já nos pisos superiores onde encontramos roupa, tecnologia e cosméticos, o preço válido é o indicado em USD ao qual é aplicada uma taxa de câmbio completamente diferente. Por exemplo, uma gravata que tinha indicado 35USD / 3850Won, para pagar em Won pedem-me 300000Won! Acontece que a taxa de câmbio oficial é bem diferente da que é realmente praticada…

Prateleiras de supermercado de Pyongyang
Prateleiras cheias, mas poucos clientes
Supermercado de Pyongyang
Cosméticos e vinhos num hipermercado de Pyongyang
Supermercado de Pyongyang
Dias calmos nas caixas

Propaganda sobre carris

Seguimos com expectativas elevadas para o museu dos caminhos de ferro. Esperamos ver comboios, locomotivas, bilhetes, fardas. Sei lá! Mas não, na Coreia do Norte é diferente. Em vez disto encontramos um museu de pura propaganda.

Somos recebidos pela guia do museu no monumental hall dominado pela pintura em tamanho real do presidente eterno Kim Il-Sung na inauguração de uma estação de comboio. Nas paredes laterais dois grandes mapas, um da península coreana outro da Eurásia, mostram as viagens de comboio que este realizou na sua vida.

Hall do museu ferroviário de Pyongyang
As nossas guias e o presidente Kim Il-Sung que nos recebe no museu ferroviário
Mapas no museu ferroviário de Pyongyang
Mapa das viagens de comboio dos grandes líderes

Nas salas que se seguem os artefactos ferroviários são escassos. A guia, uniformizada a rigor, vai-nos contando histórias das viagens dos líderes, do heroísmo do povo na reconstrução das linhas destruídas durante a guerra, da magnificência das orientações dos grandes líderes no desenvolvimento da ferrovia no país. Relembro a velocidade estonteante da comboio que nos trouxe da fronteira com a China até Pyongyang

As carruagens e locomotivas? Ah! Essas estão numa zona que está em restauro…

Guia e grupo no museu ferroviário de Pyongyang
A guia do museu explica a electrificação das linhas por ordem de Kim Il-Sung
Maqueta de cidade norte-coreana durante a guerra
Maqueta representando dias difíceis para a ferrovia Norte-Coreana
Fotografia de Kim Jung-Il e Kim Jung-Un junto de comboio
Kim Jung-Il e Kim Jung-Un numa viagem de comboio

Panem et circenses

O tufão continua. O vento é forte, a chuva persistente. Com o famoso Museu da Guerra Vitoriosa fechado devido ao temporal, a alternativa é uma ida ao Circo de Pyongyang.

O edifício que o alberga é só mais um para a conta da monumentalidade que domina a cidade. Os grandes edifícios são, pelo menos em teoria, não só para a máquina do estado, mas também para o povo. Entre eles contam-se parques aquáticos, grandes teatros, o palácio das crianças, a cidade dos desportos, as universidades e por aí fora.

Edifício do circo de Pyongyang
Fachada do circo de Pyongyang (foto tirada no dia seguinte, mais soalheiro)
Hall no edifício do circo de Pyongyang
Hall do circo de Pyongyang
Escadas no edifício do circo de Pyongyang
Subindo a escadaria para a sala de espectáculos

Por uma escadaria de mármores somos conduzidos à sala de espectáculos. A plateia vai-se compondo, mas só metade dos lugares ficam ocupados. Dos espectadores, um quarto são turistas, outro quarto civis coreanos e, cerca de metade, militares. Por alguma razão especial? Não. Apenas “pão e circo” para saciar as mais importantes peças do puzzle coreano: o exército.

Os números são executados por artistas de qualidade exímia que só perdem para o Cirque du Soleil pela falta de caracterização de personagem e criação de um enredo.

A musica da orquestra que acompanha o espectáculo deixa-me por vezes a pensar no quão especial é estar ali. Em que outro local no mundo posso assistir a algo assim: um espectáculo que alterna destemidos trapezistas, com malabaristas de corpos esculturais e números de ginástica em que o artista vestido de militar dança em redor da sua espingarda, para uma audiência fardada a rigor?

Arena do circo de Pyongyang
A arena preparada para o primeiro número

Um corte de cabelo coreano

De volta ao hotel Koryo, no tempo que falta para o jantar aproveito para verificar o estado da minha camisa, das calças e dos sapatos para o dia seguinte. Passo ainda no barbeiro do hotel.

A senhora não fala inglês, mas por gestos lá nos entendemos. Explico-lhe que quero cortar o cabelo, mas que já não tenho tempo antes de jantar. Ela diz que fecha às 8h (hora a que terminará o jantar), mas que posso ir jantar e voltar a essa hora. Assim faço.

Bem sei que não é aqui, na cave de um dos melhores hotéis da cidade, que o comum coreano vem cortar o cabelo. Ainda assim estava na esperança de ver por lá afixada a mítica lista dos cortes autorizados. Fico sem saber se existe ou não. Segundo a nossa guia, mais por razões culturais do que por imposição, os homens coreanos fazem questão de andar barbeados e de cabelo curto.

Como o meu longo cabelo está longe dos padrões de beleza norte coreanos e não é todos os dias que se pode cortar o cabelo em Pyongyang, decido fazê-lo. Afinal amanhã é o grande dia de visitar os túmulos e as estátuas dos grandes líderes.

A senhora está receosa. Pergunta-me se quero short or medium, as duas únicas palavras que parece conhecer em inglês. Com receio duma carecada, peço-lhe medium. A tesoura começa a dar os primeiros golpes, pouco milímetros abaixo das pontas do cabelo. Peço-lhe então short. Ela avança.

Quando termina rio-me à gargalhada em frente ao espelho. O resultado é fabuloso, mas há já alguns anos que não tinha o cabelo tão curto. Ela acompanha-me orgulhosa até à caixa, mostrando-me aos colegas por quem passa e explicando como era o meu cabelo.

Para entrar por completo no jogo, passo ainda na loja do hotel para comprar uma gravata antes de voltar ao bar e me juntar ao grupo para mais uma cerveja.

Foto do autor antes de corte de cabelo na Coreia do Norte
Última foto da gadelha
Corte de cabelo na Coreia do Norte
O meu corte de cabelo norte-coreano